Blog complementar de conteúdos que alimentam a página principal da Rede Brasileira de Budistas Engajados: http://budistasengajados.blogspot.com

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

REFLEXÕES BUDISTAS SOBRE A REALIDADE CONTEMPORÂNEA

A Paz Começa Aqui* (Primeira Parte)

Por Thich Nhât Hanh

Tradução de Samuel Weimar Cavalcante


O Tempo Certo Para um Pic-Nic

"Era uma vez um professor que vivia com seus estudantes em um templo. Um dia um estudante perguntou ' querido professor, vamos fazer um pc-nic um dias desses?'. O professor respondeu 'Sim, vamos achar um dia para fazermos um pic-nic'. Mas eles eram muito ocupados, nunca acharam esse dia. Um ano passou, depois dois, três e mesmo assim não conseguiram fazer um pic-nic. Um dia, enquanto caminhavam juntos pela cidade, eles viram um funeral passando. O professor perguntou ao seu aluno 'O que é isso?'. O estudante disse 'Eles estão indo fazer um pic-nic. O único pic-nic que eles conseguem fazer é quando eles morrem' ".

Eu vivi durante duas guerras do Vietnã e sei o que é a guerra - você nunca sabe se estará vivo esta tarde ou à noite. Existe medo, raiva e desespero. Se você não conseguir lidar com essas coisas, não conseguirá sobreviver. É por isso que a nossa prática é fazer um pic-nic aqui e agora, sem esperar. É possível para os israelenses e palestinos fazerem um pic-nic para que todos possam aproveitar cada momento? Acho que sim.

O pic-nic pode estar acontecendo agora mesmo, neste exato momento. Uma bomba pode explodir hoje, mas, mesmo assim, faremos nosso pic-nic. Estamos todos juntos sentados aqui. Não há nada a fazer. Apenas sentir o prazer de estarmos sentados, sem preocupação - por que sentar-se é um prazer. Ouvir alguém falar também é um prazer. Não precisamos aprender nada, passar em nenhuma prova ou ter diploma. Apenas sentamos e aproveitamos a inspiração e a expiração, ouvindo alguém falando sobe paz. Não é minha intenção dar a ninguém idéias sobre a paz; vocês já estão cheios de idéias. Nossa intenção é sermos paz, aqui, nesse presente instante.

Frequentemente, nossos corpos não estão em paz. Podemos aprender a trazer paz para o nosso corpo, aqui e agora. Ele sofre, especialmente durante os tempos de guerra. Sentimos tensão, stress e pressão. Tratamos nosso corpo de maneira bastante dura e ele está cheio de conflitos. O modo como o tratamos o faz sofrer tanto que acabamos não tendo paz. Para trazer a paz pros nossos corpos, permitimos a eles descansar para que possam ter uma chance de se renovar e curar a si mesmos. Podemos fazer isso agora mesmo. Depois de uma ou duas horas, sentiremo-nos muito melhor. Não estamos apenas falando sobre a paz do corpo, estamos trazendo realmente a paz para dentro dele.

Todos nós temos sentimentos de tristeza, dor ou excitação. Nossos sentimentos fluem através de nós como um rio e frequentemente nos dominam. Estando juntos com nossos amigos que sabem como lidar com seus sentimentos e emoções, poderemos aprender também a lidar com os nossos. Em quinze minutos de respiração consciente consciente, podemos começar a saber como lidar com o nosso medo, desespero e raiva; isto é muito importante. Se você não souber lidar com seu corpo e com seus sentimentos de raiva, medo e desespero, você não poderá falar de paz. Lidar bem com eles trará paz e harmonia ao seu corpo, sentimentos e emoções.

Quando estamos dominados, não percebemos as coisas como elas são; desenvolvemos percepções erradas sobre quem somos nós, quem são os outros e sobre como é o mundo. Estas percepções erradas são a base de todas as nossas ações que trazem infelicidade, destruição, medo e raiva. Precisamos ser capazes de lidar com nossas percepções, para que possamos saber quais percepções são corretas e quais incorretas. A maior parte do nosso sofrimento advém de nossas percepções erradas. Precisamos dedicar um tempo para observar profundamente a natureza de nossas percepções para que não sejamos apanhados por elas, pois são a base de todos os nossos sentimentos, emoções e aflições.

Na vida cotidiana, poucas vezes estamos conscientes de nossos sentimentos, percepções e pensamentos. Raramente somos realmente nós mesmos. Frequentemente, somos vítimas de nossos sentimentos e percepções; somos como uma folha flutuando no oceano, com as ondas nos puxando pra lá e pra cá. Não somos soberanos de nossa própria situação. É por isso que é tão importante voltar ao o nosso lar, a nós mesmos. Dessa maneira, deixamos de ser dominados pela circunstâncias. Esta é a prática básica da paz. Se tivermos alguma paz em nosso corpo, em nossas emoções e em nossas percepções poderemos ajudar outras pessoas a encontrar a paz. Mas temos que começar por nós mesmos. Você não poderá ser um instrumento de paz se não tiver paz em si mesmo. Quando você se tornar esse instrumento, também se tornará um instrumento de Deus, de Allah, do Buda e da realidade última. Isso não é tão difícil. Podemos fazê-lo.

Encontrando Refúgio

Algumas vezes, nos sentimos muito cansados, não temos mais energia e queremos desistir - nossa situação é bastante difícil. Sentimo-nos como se não pudéssemos fazer mais nada. Queremos achar um lugar onde possamos estar protegidos e tomar refúgio em Deus, em Buda ou em Allah. Imagine uma onda que se cansou de subir e descer, pra cima e pra baixo, e que gostaria de buscar refúgio. Existe um refúgio para a onda, que é a água. Se a onda reconhecer que ela é a água e buscar nela o seu refúgio, não terá mais medo de subir e descer. É muito importante que ela saiba que é água e que não precisa buscar a água fora de si mesma.

Talvez você seja uma onda, cansado de subir e descer, de nascer e morrer. Você está procurando algo sólido, seguro e duradouro no qual se refugiar. Se você for uma onda, não precisa buscar pela água. Você é a água, aqui e agora. Deus não existe fora de nós. O absoluto, nosso refúgio, não está fora de nós, está bem aqui, dentro de nós. "Eu descanso em Deus" significa '' Eu tomo refúgio no absoluto". Podemos chamar o absoluto de natureza de Buda, Deus ou Allah; é tudo a mesma coisa.

Quando você descansa em Deus, você não precisa correr, apenas volta ao seu lar, você mesmo, como a onda na água. Se a onda continuar procurando, ela jamais encontrará a água. A única maneira de encontrá-la é voltar à casa de si mesma. Quando ela percebe que é água, encontra a paz. Ela pratica o descanso em Deus aqui e agora. Mesmo que ela continue a subir e descer, está pacificada. Podemos praticar assim - Deus, não como uma entidade separada de nós, mas como o fundamento de nosso ser.

Muitos de nós estamos presos ao ato de se tomar refúgio em uma noção. Pensamos que estamos tomando refúgio no Buda, mas tomamos refúgio em nossa noção de Buda. Pensamos que estamos tomando refúgio em Allah, mas Allah é apenas uma noção na nossa cabeça. É por isso que queremos aqui tomar refúgio no momento presente, na nossa inspiração, na nossa expiração, nos nossos passos. Estas são maneiras muito concretas de tomar refúgio. Inspirando, tomo refúgio na minha inspiração. Sou completamente minha inspiração. Confio na minha inspiração e, junto com ela, eu me torno a paz. Expirando, tomo refúgio na minha expiração, eu me torno minha expiração. Confio em minha expiração e me torno a paz com ela.

Para ler a segunda parte deste texto, clique aqui.

Para ler a terceira parte deste texto, clique aqui.

Fonte: Blog Interser


* Trecho do Livro de Thich Nhât Hanh Peace Begins Here: Palestinians and
Israelis Listening to Each Other publicado pela Parallax Press.

** Carinhosamente apelidado Thây pelos seus seguidores, Thich Nhât Hanh é monge Zen vietnamita, poeta, militante pacifista e ativista dos direitos humanos. Fundou a Ordem Tiep Hien ou Ordem do Interser, que pratica o Budismo na perspectiva do engajamento social. Sobreviveu a duas guerras e a um exílio de mais de 30 anos. Em 1967 foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz por Martin Luther King Jr. Autor de mais de uma centena de livros, mora no Village des Pruniers (Plum Village), um centro de meditação no Sul da França e viaja por todo o mundo conduzindo retiros sobre a arte do viver consciente. Para mais informações sobre o mestre Thây e seus ensinamentos, visita os blogs em português: http://interserblog.blogspot.com, http://br.geocities.com/sangavc e http://sangavirtual.blogspot.com.


Poste um comentário e divida seu insight e suas considerações sobre o texto.

Clique aqui e volte à página Reflexões sobre o Budismo Engajado

Volta à página da Rede Brasileira de Budistas Engajados: http://budistasengajados.blogspot.com

Um comentário:

RH disse...

Gostei de visitar este blog.