O poder da não-violência
Por Shaazka Beyerle e Cynthia Boaz*
Mas independente de quantas armas e tanques disponham, os generais ainda dependem de soldados comuns para a realização do trabalho sujo. A história ensina que assim que pessoas suficientes deixarem de se importar com suas ordens, ou trocarem de lado, o poder da junta se desintegrará.
Segundo este ponto de vista, a revolução açafrão não acabou, ela apenas começou.
Relatos de desafio continuam vazando de Mianmar. Fontes dissidentes informam que cartazes da oposição estão aparecendo em espaços públicos, nos muros dos presídios, colados em balões e até mesmo em balsas no rio.
Protestos não são equivalentes a um movimento não-violento, mas são um tipo de tática não-violenta. Além disso, o "poder do povo" não é uma força inexplicável na qual milhares de cidadãos repentinamente aparecem nas ruas e provocam uma conversão nos corações dos opressores.
O poder do povo é uma aplicação sustentada, estratégica, de uma série de táticas não-violentas, incluindo desobediência civil, boicotes, greves e não-cooperação. Gene Sharp, um estudante de não-violência, documentou mais de 198 tipos de ações não-violentas, e cada luta bem-sucedida dá origem a novas.
Os objetivos estratégicos das ações não-violentas são quatro. Elas podem interromper o funcionamento normal de uma cidade, região ou país, tornando impossíveis os negócios de costume. Sob o regime brutal de Augusto Pinochet no Chile, a oposição pediu por um dia de desaceleração, e em um determinado dia a maioria dos moradores de Santiago caminhou sem pressa e dirigiu a meia velocidade, mas desta forma dizendo aos generais que bastava -sem colocar nenhuma pessoa em risco.
Um exilado de Mianmar com fontes dentro do país informou que os ativistas de lá estão "pedindo por não-cooperação com o regime e pelo não comparecimento a fábricas e escritórios".
Ações não-violentas, como Thomas Schelling, um ganhador do prêmio Nobel de economia, apontou há 30 anos, também podem negar a um opressor o que necessita, como dinheiro, alimento, suprimentos ou efetivo humano.
Durante a revolta popular contra Ferdinand Marcos nas Filipinas, a população sacou seu dinheiro de bancos associados ao regime e deixou de pagar contas. Isto colocou uma grande pressão sobre a economia má administrada, carente de dinheiro. Marcos precisava de dinheiro porque a repressão não vem de graça. Ela custa altas somas para alimentar, transportar e armar soldados, assim como para comprar a lealdade das altas patentes e do círculo interno.
A ação e estratégias não-violentas também podem minar os pilares de apoio do opressor -as instituições e grupos que precisa para manter o controle- incluindo a polícia e as forças armadas. Um exilado de Mianmar informa ter ouvido que os soldados de Mianmar não estão obedecendo plenamente as ordens e que alguns estão faltando ao trabalho, e que aparentemente surgiu um racha entre dois altos generais no "Conselho de Desenvolvimento e Paz do Estado" que governa.
Uma lição de lutas não-violentas do passado é a importância da comunicação de uma visão da sociedade baseada na justiça, não vingança, que inclui um lugar para aqueles que desertem do lado opressor.
Finalmente, ações não-violentas podem atrair pessoas para a oposição. Um crescente número de cidadãos de Mianmar está desligando a televisão, até mesmo as luzes, quando o noticiário noturno do regime tem início, portanto sinalizando apoio à oposição e repúdio ao governo.
Assim, se os generais queriam todos quietos, eles conseguiram -uma mobilização silenciosa com potencial de crescer. Este foi o caso na Turquia em 1997, quando um protesto contra a corrupção que teve início quando as pessoas apagaram as luzes terminou com manifestações de 30 milhões.
Enquanto estava na prisão, o reverendo Martin Luther King Jr. escreveu: "Nós sabemos por dolorosa experiência que liberdade nunca é dada pelo opressor; ela deve ser exigida pelo oprimido". Em Mianmar, milhares fizeram e continuam fazendo isto.
Fonte: Jornal International Herald Tribune
*Shaazka Beyerle é consultora sênior do International Center on Nonviolent Conflict (Centro Internacional de Conflitos Não-Violentos). Cynthia Boaz é professora assistente de ciência política e estudos internacionais da Universidade Estadual de Nova York, em Brockport. Para ler o artigo na versão original em inglês, clique aqui.
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