Entrevista à Monja Coen: “A vida em harmonia com a própria vida”
Por Paulo Stekel
Monja Coen Sensei é missionária oficial da tradição Soto Shu - Zen Budismo, com sede no Japão, e é a Primaz Fundadora da Comunidade Zen Budista, criada em 2001. Foi ordenada monja em 1983, quando foi para o Japão, lá permanecendo por 12 anos, sendo 8 dos primeiros anos no Convento Zen Budista de Nagoia, Aichi Senmon Nisodo e Tokubetsu Nisodo.
Retornou ao Brasil em 1995, e liderou as atividades no Templo Busshinji (São Paulo), sede da tradição Soto Shu para a América do Sul, durante seis anos. Foi, em 1997, a primeira mulher e primeira pessoa de origem não japonesa a assumir a Presidência da Federação das Seitas Budistas do Brasil, por um ano.
Participa de encontros educacionais, interreligiosos e promove a Caminhada Zen, em parques públicos, com o objetivo de divulgação do princípio da não-violência e a criação de culturas de paz, justiça, cura da Terra e de todos os seres vivos.
O que é ser "Zen"? Depende de uma prática budista ou é mais uma atitude de vida?
É apenas impressão ou muitos praticantes budistas brasileiros - independente da escola - encaram a prática muitas vezes como um "modismo", uma simples "reunião social" ou algo para motivo de status? Ocorre o mesmo no Oriente? Isso contribui de alguma forma para a divulgação do Budismo?
Há muitas pessoas à procura de alguma coisa que não sabem exatamente o que é. Quem se aproxima é porque tem algum relacionamento. O Zen Budismo, o Budismo em geral, é muito pequeno no Brasil. Já no Oriente é a religião tradicional. O que convida brasileiros a se interessarem? A procura de si mesmos, a procura de um significado para vida-morte, a procura da verdade e do caminho. Nem sempre as pessoas têm clareza sobre isso.
Atualmente o Budismo tem se aproxi-mado do Cristianismo através do diálogo interreligioso. Que ações a comunidade budista brasileira tem realizado socialmente em prol dos menos afortunados? Perguntamos isso porque muitas pessoas nos relatam a impressão de que, pelo menos no Brasil, o Budismo tem sido uma "prática de elite". Isso reflete a realidade ou é uma falsa impressão?
O Budismo é muito pequenino no Brasil. As tradições japonesas aqui no Brasil mantêm creches, escolas, centros assistenciais, hospitais, asilos para idosos - alguns em parceria com grupos cristãos, outros independentes. Nossa comunidade faz trabalho voluntário no Hospital Emílio Ribas, atendendo pacientes e cuidadores e também na Casa de Acolhida de Pinheiros, com crianças e adolescentes de rua. Definitivamente muito pouco, mas é o que podemos fazer agora. Há muitas formas de trabalho social e uma delas é a de transformar as mentes discriminadoras e preconceituosas de elites que mantêm as diferenças sociais. Mais do que assistencialismo temos de transformar culturas e sociedades. Se prestar atenção, note que o Cristianismo chegou ao Brasil através dos imigrantes portugueses - uma elite na época.
A sra. já foi casada no Japão. Como foi isso? Por que algumas escolas budistas japonesas permitem o casamento a monges? Isso foi produto do reconhecimento de uma questão natural, como afirmam os monges da Terra Pura, já que, no passado, a maioria dos monges tinham relacionamentos às escondidas?
A grande maioria dos monges são casados no Japão. Desde cerca de uns duzentos anos, quando em comum acordo com as lideranças políticas, as lideranças religiosas optaram por permitir o casamento dos monásticos. Foram várias as causas, uma delas a que você mencionou. Mas não foi a única.
Mesmo no Budismo há preconceito contra a mulher, especialmente quanto a esta ocupar os postos mais elevados na hierarquia? Essa postura não contradiz os ensinamentos do Buda?
Sim. Qualquer discriminação ou preconceito é contrária aos ensinamentos de Buda. Entretanto, o próprio Senhor Buda discriminou contra as mulheres e fez oito regras especiais para que se tornassem monjas. Hoje, quando estudamos em profundidade o assunto, temos de verificar como era a sociedade local na época e percebemos o avanço de Xaquiamuni Buda ao permitir, mesmo que com regras especiais, que as mulheres se tornassem monásticas. Assim, podemos perceber que mesmo os seres mais elevados estão sujeitos à Lei da Causalidade e envolvidos pelos valores locais, regionais e culturais. A sabedoria con-siste em percebê-los e transformá-los. Para isso vivemos.
Seu trabalho atualmente é praticamente independente, correto? O lado bom disso não seria incentivar trabalhos mais independentes, uma forma de adaptação ao conflito e de assegurar que os ensinamentos sejam transmitidos sem prejuízo?
Sem dúvida aprendemos com as várias experiências da vida. Devo admitir que tem sido muito estimulante trabalhar de maneira mais livre e independente.
O Budismo no Ocidente tem cerca de um século. Algumas adaptações já são sentidas e se fala num "budismo ocidental". Isso ocorreu no Tibete, que se adaptou à forma indiana de prática e a mesclou com sua religião xamânica original (o Bön). O "Budismo Ocidental" será uma mescla com o Cristianismo?
Não sei. Espero que não. Espero que possamos manter as tradições separadas e nos respeitar mutuamente. O Budismo Brasileiro será mais arroz com feijão do que sopa de misô. Mas ainda faltam muitos e muitos anos para falarmos em Budismo brasileiro. Nos Estados Unidos já se fala em Budismo Americano, com características definitivamente diferentes das orientais. Mas aqui no Brasil ainda engatinhamos. O que acontecerá?
A senhora vê a Internet como um dos meios adequados para divulgação do Budismo neste mundo globalizado? Isso pode contribuir para uma união maior entre as diversas escolas budistas?
Sim.
A senhora pertence a alguns movimentos que buscam a união entre as religiões. Claro que uma "união doutrinária" é difícil, já que cada uma tem uma estrutura própria. Mas a união de propósitos - o bem-estar da humanidade e do planeta como um todo - parece viável. Como vê essa tendência?
A Iniciativa das Religiões Unidas tem o propósito de criar culturas de paz, justiça e cura da Terra. Não é uma proposta fácil de se realizar. Mas acredito que a transformação de uma sociedade violenta e corrupta em uma sociedade mais justa e não violenta depende também do respeito e compreensão entre as religiões do mundo.
Agradecemos muito sua gentileza em conceder esta entrevista. Gostaríamos que deixasse uma mensagem para nossos leitores, se possível sobre o que cada um, independente da prática religiosa, pode fazer para melhorar o planeta, as condições ambientais, e diminuir a violência, o materialismo e o sofrimento geral.
Perceber que somos a vida da Terra. Não viemos nem iremos a nenhum outro lugar. Deixamos marcas com nossa existência. Visíveis e invisíveis. Que possamos deixar marcas de amor e ternura, compaixão e sabedoria para que todos os seres se beneficiem e todos possam viver em harmonia e fartura. É cuidando que somos cuidadas. É servindo que somos servidas. É fazendo o bem que nos beneficiamos. Interligados, interconectados com toda a vida do universo. Tudo sempre retorna a nós mesmos. Somos a vida. Mãos em prece.
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